terça-feira, 29 de março de 2016

VOTO DE LIDERANÇA


 
Compartilhando alguns textos produzidos na pós-graduação de Direito Legislativo para registro.
 

Voto de liderança é aquele em que o voto do líder de partido substitui o voto de seus liderados. Ocorre nos casos de votação simbólica e consequentemente não se aplica nos casos em que o quórum deve ser qualificado, a exemplo de Lei Complementar ou de Proposta de Emenda à Constituição.

 O voto de liderança gera algumas consequências práticas que soam como inconstitucionais para alguns críticos do tema.  Por exemplo, ainda que não se encontre em plenário, o voto do parlamentar é computado na totalidade dos membros do partido. Outro ponto importante é a contagem no painel de votos divergentes do número de presentes, o que pode justificar a continuidade de sessões com quórum insuficiente para serem instaladas.

No caso do Senado Federal, ainda que um senador discorde do posicionamento de seu líder, seu voto não será computado de forma individual e sim de acordo com o indicado pelo líder. Nestas ocasiões caberá apenas uma declaração escrita de voto para a Mesa Diretora. É o que pode ser visto no texto do Regimento Interno:

“Art. 293. No processo simbólico observar-se-ão as seguintes normas:

...

II - o voto dos líderes representará o de seus liderados presentes, permitida a declaração de voto em documento escrito a ser encaminhado à Mesa para publicação; (...)”

O Regimento do Congresso Nacional também faz menção ao voto de liderança, de modo semelhante ao Regimento do Senado: 

Art. 45. Na votação pelo processo simbólico, os Congressistas que aprovarem a matéria deverão permanecer sentados, levantando-se os que votarem pela rejeição. O pronunciamento dos Líderes representará o voto de seus liderados presentes, permitida a declaração de voto.

                            Na Câmara dos Deputados, a previsão de voto de liderança ocorre de forma um pouco distinta. Lá, os votos dos líderes são computados nos casos de apoiamento para pedido de votação nominal ou verificação de votação, como se pode observar no trecho abaixo do respectivo Regimento Interno:

Art. 185. Pelo processo simbólico, que será utilizado na votação das proposições em geral, o Presidente, ao anunciar a votação de qualquer matéria, convidará os Deputados a favor a permanecerem sentados e proclamará o resultado manifesto dos votos.

§ 1º Havendo votação divergente, o Presidente consultará o Plenário se há dúvida quanto ao resultado proclamado, assegurando a oportunidade de formular-se pedido de verificação de votação.

§ 2º Nenhuma questão de ordem, reclamação ou qualquer outra intervenção será aceita pela Mesa antes de ouvido o Plenário sobre eventual pedido de verificação.

§ 3º Se seis centésimos dos membros da Casa ou Líderes que representem esse número apoiarem o pedido, proceder-se-á então à votação através do sistema nominal.

§ 4º Havendo-se procedido a uma verificação de votação, antes do decurso de uma hora da proclamação do resultado, só será permitida nova verificação por deliberação do Plenário, a requerimento de um décimo dos Deputados, ou de Líderes que representem esse número.  

                             Uma outra consequência prática que se percebe ao analisar o voto de liderança é destacada por autoridades como o Ministro do STF Marco Aurélio, o qual acredita que este tipo de voto dá superpoderes ao líder, em detrimento dos demais deputados e que isso subverte o processo democrático.  

                            Há quem acredite, no entanto, que o voto de liderança representa um instrumento para superar o absenteísmo nas sessões plenárias do Legislativo. Para essa corrente, o trabalho legislativo sem tal ferramenta seria impraticável. Contudo, a tese parece não se consolidar ao se buscar casos semelhantes em outros países. Apenas em Luxemburgo havia até pouco a previsão de voto de líderes.
                            É preciso destacar que o voto parlamentar é uma competência constitucional. O voto de liderança, ao retirar do parlamentar o poder sobre seu próprio voto se traduz em uma ofensa ao sistema representativo, pois deixa o liderado impotente para exercer determinadas competências de seu mandato. Trata-se de uma clara afronta ao princípio de liberdade parlamentar.

                            Além disso, entende-se que o voto de liderança ao relativizar a necessidade da presença dos parlamentares em plenário ofende diretamente a Constituição, que determina em seu art. 47 que as deliberações serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria absoluta dos membros de cada caso, salvo disposição constitucional. Pontes de Miranda acrescenta que somente a Constituição pode estabelecer a exceção ao princípio da exigência e suficiência da maioria. 

                             Sobre a possível análise do tema por parte do Poder Judiciário, sustenta-se que não se trata de caso “interna corporis” apenas, pois o assunto transcende os limites do Congresso Nacional para um nível constitucional, relativo ao direito ao exercício do mandato parlamentar. Neste sentido, vale mencionar o entendimento do ministro Sepúlveda Pertence que ao enfrentar a demanda entendeu ser o voto de liderança um instrumento autoritário que esvazia o mandato do parlamentar liderado, além de ratificar a posição de que se trata de afronta ao princípio da liberdade parlamentar.

                            Por último, referimo-nos ao Regimento da Câmara dos Deputados, o qual atualmente determina que o voto do deputado, mesmo quando diferente do encaminhamento do líder, será computado para todos os efeitos. Nota-se, portanto, que naquela Casa Legislativa a liberdade parlamentar é observada, à exceção dos casos de apoiamento e verificação de votação, conforme texto do Regimento supramencionado.
                            Diante do exposto, defende-se que, embora ainda previsto nos regimentos internos, o voto de liderança é inconstitucional por afrontar a liberdade parlamentar, além de maquiar a questão do quórum para instalação de deliberações plenárias.

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