terça-feira, 29 de março de 2016

PEC 11 /2011 - proposta de alteração do rito de MEDIDAS PROVISÓRIAS


O presente trabalho versa sobre a Proposta de Emenda à Constituição número 11, de 2011, que tem por objetivo alterar o procedimento de tramitação das Medidas Provisórias no âmbito do Congresso Nacional, bem como sobre o Projeto de Resolução do Congresso Nacional número 6, de 2015, o qual pretende alterar a Resolução do Congresso Nacional número 1, de 2002, que dispõe sobre a apreciação feita pelo Parlamento de Medidas Provisórias a que se refere o artigo 62 da Constituição Federal. 

 
            Em primeiro lugar, é válido ressaltar a natureza jurídica das Medidas Provisórias, as quais se traduzem como atos normativos primários emanados do Poder Executivo, de caráter especial e que já nascem com força, eficácia e valor de lei.

 
            O atual regramento constitucional entende a Medida Provisória da seguinte forma:

 
“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

I – relativa a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

b) direito penal, processual penal e processual civil; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

III – reservada a lei complementar; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)”

 

 

            A partir de análise do texto atual, percebe-se que o referido ato normativo, o qual é inspirado no “decreto legge” italiano, tem passado por evoluções ao longo de sua história, com cinco períodos marcantes: o primeiro durou da CF/88 até a edição da EC 32/2001; o segundo, da EC 32/2001 até 2009; o terceiro, a partir da Doutrina Temer até 2012; o quarto, a partir da ADI 4029 até 2015; e finalmente, o  quinto período a partir da ADI 5127, que representou o fim dos Jabutis.

 

            Vale mencionar que no primeiro período de existência das Medidas Provisórias não existia limitação material e o ato normativo valia por trinta dias. No entanto, era prática realizar esvaziamento de quorum para estimular a reedição indefinida das MPs.

           

            O novo rito introduzido pela EC 32/2001 inovou trazendo limitações materiais à Medida Provisória; alteração dos prazos de vigência para sessenta dias, prorrogáveis por mais sessenta dias e com suspensão no período de recesso parlamentar. Também proibiu a reedição e estabeleceu o trancamento de pauta ao se completar quarenta e cinco dias da edição, além de prever que o ato deveria ser votado separadamente em cada uma das Casas Legislativas, a começar pela Câmara Federal e antes disso ter seus pressupostos constitucionais avaliados por comissão mista formada especialmente para a apreciação da MP editada.

 

            A referida Emenda Constitucional trouxe mudanças positivas e negativas para a tramitação das Medidas Provisórias.  Se por um lado, ampliou a participação do Congresso, por outro também ampliou o poder de agenda do Executivo sobre o Legislativo, ao estabelecer o trancamento de pauta. Trouxe também outras consequências, como, por exemplo, o maior uso de recursos protelatórios por parte da oposição ou a maior utilização das comissões em caráter conclusivo para aprovação de projetos de lei , uma vez que o trancamento provoca dificuldade para pautar as proposições no Plenário. Apesar disso, autores, como, por exemplo, Lucas Cunha, acreditam que o Congresso se beneficia dessa delegação estratégica proporcionada pelas Medidas Provisórias.

 

            Ainda sobre a EC 32/2001, pode-se afirmar que o rito por ela estabelecido favoreceu a participação da Câmara dos Deputados e desfavoreceu o Senado Federal, uma vez que, entre outras coisas, quando atinge o prazo de quarenta e cinco dias, já entra trancando a pauta desta última Casa.   Foi buscando um maior equilíbrio entre ambas as Casas Legislativas no trâmite da Medida Provisória que surgiu a PEC 11/2011, como se verá mais adiante.

 

            Um outro ponto polêmico da EC 32/2001 foi a regra que estabeleceu validade indeterminada das Medidas Provisórias que estavam em vigor àquela época, a menos que fossem revogadas por outra MP ou fossem objeto de deliberação do Congresso Nacional.

 

            É importante destacar também a edição da Resolução 1/2002, a qual regulamentou a tramitação das Medidas Provisórias no Congresso. Em linhas gerais, a Resolução diz que após a publicação do ato há doze horas para indicação dos membros e designação da Comissão Mista prevista na Constituição em 48 horas. Depois disso, mais 24 horas para eleição de Presidente e Vice. O referido órgão temporário deve ser composto por doze deputados e doze senadores, com o mesmo número de suplentes. O prazo para apresentação de emendas é bastante exíguo (até seis dias após a publicação). A tramitação pode resultar em quatro possíveis situações: aprovação total, aprovação com alteração, não apreciação (rejeição tácita) ou rejeição expressa.

           

            A fase correspondente à Doutrina Temer representou a retomada do poder de legislar do Congresso, conferindo-lhe maior poder de agenda, uma vez que as atividades do Legislativo encontravam-se paralisadas devido ao trancamento de pauta provocado pelo número de Medidas Provisórias. A partir da Questão de Ordem 411/2009, portanto,  o trancamento passou a incidir apenas sobre as sessões ordinárias, para projetos de lei ordinária que sejam passíveis de Medida Provisória. Este entendimento representou uma mutação constitucional, que foi validada pelo Supremo Tribunal Federal.

 

            Um outro momento marcante na história das Medidas Provisórias se deu a partir da ADI 4029. Se antes o parecer poderia ser proferido pelo relator no Plenário, a partir de então, o parecer da comissão mista passa a ter caráter obrigatório.   Como consequência, se alcançou maior equilíbrio na relação Câmara e Senado, uma vez que os senadores passaram a participar mais das comissões mistas, que antes se quer eram instaladas. Além disso, se proporcionou maior discussão das Medidas Provisórias no âmbito do Congresso Nacional e também se conferiu maior poder às comissões mistas. Por outro lado, a nova fase trouxe também algumas dificuldades, tal como falta de quorum por haver diversas comissões simultâneas, obstruções cruzadas, baixo grau institucional das comissões, além de uso político do tempo.

           

            Por último, a ADI 5127 trouxe a novidade que ficou conhecida como fim dos jabutis, os quais representavam contrabando legislativo.  Ou seja, emendas sem pertinência temática com a  Medida Provisória passaram a ser consideradas inconstitucionais, com a justificativa de que se tratam de procedimento antidemocrático. A consequência principal  do novo entendimento se traduziu na diminuição do poder de barganha do Legislativo, especialmente dos relatores das Medidas Provisórias. Outra discussão trazida pela ADI em comento foi a de que nestes casos as emendas parlamentares também devem cumprir os requisitos de relevância e urgência às quais se sujeitam as Medidas Provisórias.

 

A PEC 11/2011

 

            Conforme informações dispostas no sítio do Senado Federal, a proposição em comento pretende alterar o art. 62 da Constituição Federal, que trata do procedimento de apreciação das Medidas Provisórias pelo Congresso Nacional, para determinar que: a) as medidas provisórias tenham prazo de vigência improrrogável de 120 dias; b) a Câmara dos Deputados e o Senado Federal tenham cinquenta e cinco dias cada para apreciação da matéria; c) a Câmara dos Deputados encaminhe ao Senado Federal , no estado em que se encontrar, a medida provisória que não houver sido apreciada no prazo de cinquenta e cinco dias que lhe foi inicialmente concedido ; d) a medida provisória retorne à Câmara dos Deputados se houver emendas do Senado Federal; e) a Câmara dos Deputados se pronuncie logo após o Senado Federal , se não houver se manifestado nos primeiros cinquenta e cinco dias que lhe cabiam, sendo vedada neste caso a inclusão de emendas.

            No que diz respeito à constitucionalidade da PEC 11/2011, quanto à iniciativa, de acordo com a Constituição Federal de 1988, possuem poder para iniciar  PEC ( Proposta de Emenda à Constituição) os seguintes personagens: um terço dos membros do Senado Federal ou dos membros da Câmara dos Deputados, o Presidente da República ou metade das Assembleias Legislativas das unidades federativas, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.  A PEC em questão foi iniciada por um terço dos senadores e, portanto, atende a este requisito.

 

            A PEC também respeita às limitações circunstanciais, uma vez que não foi proposta em período de vigência de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio.

 

            Quanto às limitações materiais, conhecidas como cláusulas pétreas, a Constituição prevê expressamente que não será passível de deliberação proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Implicitamente há a proibição de dupla revisão e de impossibilidade de alterar o titular do poder originário e do poder derivado. A conclusão possível a partir disso é a de que a PEC 11/2011 não fere nenhum desses princípios, uma vez que busca apenas aperfeiçoar o procedimento de apreciação das medidas provisórias no Congresso Nacional. Portanto, entende-se que a proposição é constitucional.

 

          A PEC 11/2011 tem por objetivo aperfeiçoar a tramitação das Medidas Provisórias. No entanto, entendemos que a proposição cumpriria tal objetivo apenas parcialmente.

 

            Em primeiro lugar, o prazo de vigência único de cento e vinte dias eliminaria a necessidade de prorrogação de sessenta dias por mais sessenta dias, que hoje é recorrente na apreciação deste tipo de ato normativo. Por traduzir em norma algo que já é prática, acredita-se que neste ponto teríamos um avanço.

 

            A nova redação do artigo 62 da Constituição proposta pela PEC estabelece que a Câmara dos Deputados terá prazo de cinquenta e cinco dias para concluir sua apreciação e que após este prazo deve remeter a Medida Provisória para o Senado no estágio em que se encontrar, para que o Senado a aprecie em igual período. No caso de emendas do Senado, o ato deve retornar à Câmara. O mesmo deve acontecer caso a Câmara não tenha se pronunciado no prazo inicial de cinquenta e cinco dias, sempre observando o prazo de vigência da Medida Provisória.

 

         Os novos prazos buscam corrigir a desvantagem do Senado Federal, ao menos em parte. No atual procedimento,  é comum a ocorrência de restrição da atuação desta Casa, uma vez que o prazo de vigência do ato normativo é consumido em sua maior parte em deliberação na Câmara dos Deputados e  nas comissões mistas.  Por outro lado, é preciso lembrar também que mesmo quando a Medida Provisória chega em regime de urgência e sobresta a pauta de outras deliberações, o Senado hoje tem participação garantida no procedimento, uma vez que a instalação da Comissão Mista passou a ser obrigatória nos últimos anos e a consequente participação de senadores em seus trabalhos.

 

            A proposta também elimina a necessidade de análise por comissão mista do Congresso. Em sua justificativa, defendeu-se que se trata de uma etapa pouco funcional, considerando que a instalação até então havia ocorrido em raros casos. Ocorre que  a PEC em análise data do ano de 2011 e após esse período a ADI 4029 determinou a obrigatoriedade da instalação da comissão mista. Portanto, a proposição colidiria com o atual entendimento, embora isso não necessariamente represente inconstitucionalidade visto que a PEC alcança o poder constituinte derivado reformador.

 

            Ante o exposto, a conclusão é de que o rito proposto apresenta pontos positivos e negativos. Como vantagens, o prazo único de vigência pode ser apontado. A obrigatoriedade de envio da proposição para o Senado ao se completar o prazo de cinquenta e cinco dias também, uma vez que isso além de proporcionar maior tempo para deliberação desta Casa também contribuiria para um menor volume de trancamentos de pauta.  Dessa forma, a mora da tramitação da Câmara dos Deputados não comprometeria os trabalhos da outra Casa Legislativa.

 

            Por outro lado, eliminar a etapa da comissão mista pode ser desvantajoso, pois este órgão tem por função o amadurecimento da discussão da Medida Provisória e o procedimento tal como é feito hoje permite que senadores possam participar do processo de emendamento ainda na fase inicial do processo. Caso fosse aprovada, A PEC 11/2011 exigiria que a Medida Provisória retornasse à Câmara dos Deputados, o que poderia comprometer ainda mais o prazo de tramitação. 

 

            Finalmente, destacamos o Projeto de Resolução 6/ 2015 – CN, o qual pretende alterar a Resolução 1/2002 – CN, que trata da tramitação de Medidas Provisórias no âmbito do Congresso Nacional, para apresentação de emendas e sua apreciação. O texto proposto determina que os Presidentes da Câmara e do Senado poderão suprimir emendas apresentadas pelos parlamentares que não guardem pertinência temática com a Medida Provisória ou ainda quando apesar de preencherem este requisito, não apresentem os pressupostos de relevância e urgência.  Diante do exposto, percebe-se que a proposição se relaciona com o recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal, ADI 5127, no sentido de coibir o que ficou conhecido como “jabutis”. Ou seja, o oportunismo de inclusão de matérias estranhas às Medidas Provisórias. Com isso, conclui-se que a proposição também acrescenta aspectos positivos ao rito de apreciação do referido ato normativo, conferindo maior segurança jurídica, uma vez que a positivação reduzirá  a dependência de interpretação de temas importantes por meio questões de ordem. 

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