terça-feira, 29 de março de 2016

PEC 11 /2011 - proposta de alteração do rito de MEDIDAS PROVISÓRIAS


O presente trabalho versa sobre a Proposta de Emenda à Constituição número 11, de 2011, que tem por objetivo alterar o procedimento de tramitação das Medidas Provisórias no âmbito do Congresso Nacional, bem como sobre o Projeto de Resolução do Congresso Nacional número 6, de 2015, o qual pretende alterar a Resolução do Congresso Nacional número 1, de 2002, que dispõe sobre a apreciação feita pelo Parlamento de Medidas Provisórias a que se refere o artigo 62 da Constituição Federal. 

 
            Em primeiro lugar, é válido ressaltar a natureza jurídica das Medidas Provisórias, as quais se traduzem como atos normativos primários emanados do Poder Executivo, de caráter especial e que já nascem com força, eficácia e valor de lei.

 
            O atual regramento constitucional entende a Medida Provisória da seguinte forma:

 
“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

I – relativa a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

b) direito penal, processual penal e processual civil; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

III – reservada a lei complementar; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)”

 

 

            A partir de análise do texto atual, percebe-se que o referido ato normativo, o qual é inspirado no “decreto legge” italiano, tem passado por evoluções ao longo de sua história, com cinco períodos marcantes: o primeiro durou da CF/88 até a edição da EC 32/2001; o segundo, da EC 32/2001 até 2009; o terceiro, a partir da Doutrina Temer até 2012; o quarto, a partir da ADI 4029 até 2015; e finalmente, o  quinto período a partir da ADI 5127, que representou o fim dos Jabutis.

 

            Vale mencionar que no primeiro período de existência das Medidas Provisórias não existia limitação material e o ato normativo valia por trinta dias. No entanto, era prática realizar esvaziamento de quorum para estimular a reedição indefinida das MPs.

           

            O novo rito introduzido pela EC 32/2001 inovou trazendo limitações materiais à Medida Provisória; alteração dos prazos de vigência para sessenta dias, prorrogáveis por mais sessenta dias e com suspensão no período de recesso parlamentar. Também proibiu a reedição e estabeleceu o trancamento de pauta ao se completar quarenta e cinco dias da edição, além de prever que o ato deveria ser votado separadamente em cada uma das Casas Legislativas, a começar pela Câmara Federal e antes disso ter seus pressupostos constitucionais avaliados por comissão mista formada especialmente para a apreciação da MP editada.

 

            A referida Emenda Constitucional trouxe mudanças positivas e negativas para a tramitação das Medidas Provisórias.  Se por um lado, ampliou a participação do Congresso, por outro também ampliou o poder de agenda do Executivo sobre o Legislativo, ao estabelecer o trancamento de pauta. Trouxe também outras consequências, como, por exemplo, o maior uso de recursos protelatórios por parte da oposição ou a maior utilização das comissões em caráter conclusivo para aprovação de projetos de lei , uma vez que o trancamento provoca dificuldade para pautar as proposições no Plenário. Apesar disso, autores, como, por exemplo, Lucas Cunha, acreditam que o Congresso se beneficia dessa delegação estratégica proporcionada pelas Medidas Provisórias.

 

            Ainda sobre a EC 32/2001, pode-se afirmar que o rito por ela estabelecido favoreceu a participação da Câmara dos Deputados e desfavoreceu o Senado Federal, uma vez que, entre outras coisas, quando atinge o prazo de quarenta e cinco dias, já entra trancando a pauta desta última Casa.   Foi buscando um maior equilíbrio entre ambas as Casas Legislativas no trâmite da Medida Provisória que surgiu a PEC 11/2011, como se verá mais adiante.

 

            Um outro ponto polêmico da EC 32/2001 foi a regra que estabeleceu validade indeterminada das Medidas Provisórias que estavam em vigor àquela época, a menos que fossem revogadas por outra MP ou fossem objeto de deliberação do Congresso Nacional.

 

            É importante destacar também a edição da Resolução 1/2002, a qual regulamentou a tramitação das Medidas Provisórias no Congresso. Em linhas gerais, a Resolução diz que após a publicação do ato há doze horas para indicação dos membros e designação da Comissão Mista prevista na Constituição em 48 horas. Depois disso, mais 24 horas para eleição de Presidente e Vice. O referido órgão temporário deve ser composto por doze deputados e doze senadores, com o mesmo número de suplentes. O prazo para apresentação de emendas é bastante exíguo (até seis dias após a publicação). A tramitação pode resultar em quatro possíveis situações: aprovação total, aprovação com alteração, não apreciação (rejeição tácita) ou rejeição expressa.

           

            A fase correspondente à Doutrina Temer representou a retomada do poder de legislar do Congresso, conferindo-lhe maior poder de agenda, uma vez que as atividades do Legislativo encontravam-se paralisadas devido ao trancamento de pauta provocado pelo número de Medidas Provisórias. A partir da Questão de Ordem 411/2009, portanto,  o trancamento passou a incidir apenas sobre as sessões ordinárias, para projetos de lei ordinária que sejam passíveis de Medida Provisória. Este entendimento representou uma mutação constitucional, que foi validada pelo Supremo Tribunal Federal.

 

            Um outro momento marcante na história das Medidas Provisórias se deu a partir da ADI 4029. Se antes o parecer poderia ser proferido pelo relator no Plenário, a partir de então, o parecer da comissão mista passa a ter caráter obrigatório.   Como consequência, se alcançou maior equilíbrio na relação Câmara e Senado, uma vez que os senadores passaram a participar mais das comissões mistas, que antes se quer eram instaladas. Além disso, se proporcionou maior discussão das Medidas Provisórias no âmbito do Congresso Nacional e também se conferiu maior poder às comissões mistas. Por outro lado, a nova fase trouxe também algumas dificuldades, tal como falta de quorum por haver diversas comissões simultâneas, obstruções cruzadas, baixo grau institucional das comissões, além de uso político do tempo.

           

            Por último, a ADI 5127 trouxe a novidade que ficou conhecida como fim dos jabutis, os quais representavam contrabando legislativo.  Ou seja, emendas sem pertinência temática com a  Medida Provisória passaram a ser consideradas inconstitucionais, com a justificativa de que se tratam de procedimento antidemocrático. A consequência principal  do novo entendimento se traduziu na diminuição do poder de barganha do Legislativo, especialmente dos relatores das Medidas Provisórias. Outra discussão trazida pela ADI em comento foi a de que nestes casos as emendas parlamentares também devem cumprir os requisitos de relevância e urgência às quais se sujeitam as Medidas Provisórias.

 

A PEC 11/2011

 

            Conforme informações dispostas no sítio do Senado Federal, a proposição em comento pretende alterar o art. 62 da Constituição Federal, que trata do procedimento de apreciação das Medidas Provisórias pelo Congresso Nacional, para determinar que: a) as medidas provisórias tenham prazo de vigência improrrogável de 120 dias; b) a Câmara dos Deputados e o Senado Federal tenham cinquenta e cinco dias cada para apreciação da matéria; c) a Câmara dos Deputados encaminhe ao Senado Federal , no estado em que se encontrar, a medida provisória que não houver sido apreciada no prazo de cinquenta e cinco dias que lhe foi inicialmente concedido ; d) a medida provisória retorne à Câmara dos Deputados se houver emendas do Senado Federal; e) a Câmara dos Deputados se pronuncie logo após o Senado Federal , se não houver se manifestado nos primeiros cinquenta e cinco dias que lhe cabiam, sendo vedada neste caso a inclusão de emendas.

            No que diz respeito à constitucionalidade da PEC 11/2011, quanto à iniciativa, de acordo com a Constituição Federal de 1988, possuem poder para iniciar  PEC ( Proposta de Emenda à Constituição) os seguintes personagens: um terço dos membros do Senado Federal ou dos membros da Câmara dos Deputados, o Presidente da República ou metade das Assembleias Legislativas das unidades federativas, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.  A PEC em questão foi iniciada por um terço dos senadores e, portanto, atende a este requisito.

 

            A PEC também respeita às limitações circunstanciais, uma vez que não foi proposta em período de vigência de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio.

 

            Quanto às limitações materiais, conhecidas como cláusulas pétreas, a Constituição prevê expressamente que não será passível de deliberação proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Implicitamente há a proibição de dupla revisão e de impossibilidade de alterar o titular do poder originário e do poder derivado. A conclusão possível a partir disso é a de que a PEC 11/2011 não fere nenhum desses princípios, uma vez que busca apenas aperfeiçoar o procedimento de apreciação das medidas provisórias no Congresso Nacional. Portanto, entende-se que a proposição é constitucional.

 

          A PEC 11/2011 tem por objetivo aperfeiçoar a tramitação das Medidas Provisórias. No entanto, entendemos que a proposição cumpriria tal objetivo apenas parcialmente.

 

            Em primeiro lugar, o prazo de vigência único de cento e vinte dias eliminaria a necessidade de prorrogação de sessenta dias por mais sessenta dias, que hoje é recorrente na apreciação deste tipo de ato normativo. Por traduzir em norma algo que já é prática, acredita-se que neste ponto teríamos um avanço.

 

            A nova redação do artigo 62 da Constituição proposta pela PEC estabelece que a Câmara dos Deputados terá prazo de cinquenta e cinco dias para concluir sua apreciação e que após este prazo deve remeter a Medida Provisória para o Senado no estágio em que se encontrar, para que o Senado a aprecie em igual período. No caso de emendas do Senado, o ato deve retornar à Câmara. O mesmo deve acontecer caso a Câmara não tenha se pronunciado no prazo inicial de cinquenta e cinco dias, sempre observando o prazo de vigência da Medida Provisória.

 

         Os novos prazos buscam corrigir a desvantagem do Senado Federal, ao menos em parte. No atual procedimento,  é comum a ocorrência de restrição da atuação desta Casa, uma vez que o prazo de vigência do ato normativo é consumido em sua maior parte em deliberação na Câmara dos Deputados e  nas comissões mistas.  Por outro lado, é preciso lembrar também que mesmo quando a Medida Provisória chega em regime de urgência e sobresta a pauta de outras deliberações, o Senado hoje tem participação garantida no procedimento, uma vez que a instalação da Comissão Mista passou a ser obrigatória nos últimos anos e a consequente participação de senadores em seus trabalhos.

 

            A proposta também elimina a necessidade de análise por comissão mista do Congresso. Em sua justificativa, defendeu-se que se trata de uma etapa pouco funcional, considerando que a instalação até então havia ocorrido em raros casos. Ocorre que  a PEC em análise data do ano de 2011 e após esse período a ADI 4029 determinou a obrigatoriedade da instalação da comissão mista. Portanto, a proposição colidiria com o atual entendimento, embora isso não necessariamente represente inconstitucionalidade visto que a PEC alcança o poder constituinte derivado reformador.

 

            Ante o exposto, a conclusão é de que o rito proposto apresenta pontos positivos e negativos. Como vantagens, o prazo único de vigência pode ser apontado. A obrigatoriedade de envio da proposição para o Senado ao se completar o prazo de cinquenta e cinco dias também, uma vez que isso além de proporcionar maior tempo para deliberação desta Casa também contribuiria para um menor volume de trancamentos de pauta.  Dessa forma, a mora da tramitação da Câmara dos Deputados não comprometeria os trabalhos da outra Casa Legislativa.

 

            Por outro lado, eliminar a etapa da comissão mista pode ser desvantajoso, pois este órgão tem por função o amadurecimento da discussão da Medida Provisória e o procedimento tal como é feito hoje permite que senadores possam participar do processo de emendamento ainda na fase inicial do processo. Caso fosse aprovada, A PEC 11/2011 exigiria que a Medida Provisória retornasse à Câmara dos Deputados, o que poderia comprometer ainda mais o prazo de tramitação. 

 

            Finalmente, destacamos o Projeto de Resolução 6/ 2015 – CN, o qual pretende alterar a Resolução 1/2002 – CN, que trata da tramitação de Medidas Provisórias no âmbito do Congresso Nacional, para apresentação de emendas e sua apreciação. O texto proposto determina que os Presidentes da Câmara e do Senado poderão suprimir emendas apresentadas pelos parlamentares que não guardem pertinência temática com a Medida Provisória ou ainda quando apesar de preencherem este requisito, não apresentem os pressupostos de relevância e urgência.  Diante do exposto, percebe-se que a proposição se relaciona com o recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal, ADI 5127, no sentido de coibir o que ficou conhecido como “jabutis”. Ou seja, o oportunismo de inclusão de matérias estranhas às Medidas Provisórias. Com isso, conclui-se que a proposição também acrescenta aspectos positivos ao rito de apreciação do referido ato normativo, conferindo maior segurança jurídica, uma vez que a positivação reduzirá  a dependência de interpretação de temas importantes por meio questões de ordem. 

COTAS EM CONCURSO PÚBLICO


Inspirada em uma das aulas do Professor João Trindade sobre o Direito de Igualdade e na discussão que realizamos em sala sobre  Cotas para Negros no Serviço Público, resolvi escrever um pouquinho sobre o assunto e compartilhar algumas reflexões que nossa turma de Direito Legislativo realizou no último semestre de 2015.

Em primeiro lugar, devo dizer que serei parcial. Sim, porque sou a favor da adoção de cotas em concurso, em vestibular, no ENEM e até o fim do mundo, enquanto a sociedade brasileira excluir da criança negra o direito de sonhar com um futuro decente, em que possa escolher o caminho profissional e pessoal que quer seguir e não ser escolhida por um destino quase certo de pobreza, criminalidade e morte precoce.

Negar a existência do racismo no Brasil e de sua consequente segregação é perverso. Há um abismo gigantesco que separa negros e brancos. Ainda que juremos de pés juntos que somos pluralistas e não discriminamos ninguém por raça, credo ou gênero, a taxa de analfabetismo entre negros é o dobro da taxa entre brancos, por exemplo.

De cada dez famílias que recebem o Bolsa Família, sete são chefiadas por homens ou mulheres negros. A taxa de desemprego também é maior entre negros, especialmente entre as mulheres. Negros também recebem salários inferiores, em media 40% a menos, de acordo com dados do IBGE / 2010.

Além disso, o IPEA, em Nota Técnica de 2013, que pode ser analisada em link disponiblizado ao final deste artigo, afirma que “segundo informações do Sistema de informações sobre Mortalidade (SIM/MS) e do Censo Demográfico do IBGE, de 2010, enquanto a taxa de homicídios de negros no Brasil é de 36 mortes por 100 mil negros, a mesma medida para os não negros é de 15,2”.  A taxa chega a 76 mortes em estados onde a marginalização do negro é ainda mais acentuada, a exemplo de Alagoas.

Os dados acima são apenas breves ilustrações da segregação racial existente em nosso País. Podem ser confirmados muito antes de qualquer pesquisa, se observarmos em meios como a universidade, a mídia, a política ou a Administração Pública a desproporcionalidade da presença de negros ocupando esses espaços.

Gostaria de trazer um pouco da minha realidade, para personificar um pouco mais a discussão. Quando ingressei na Universidade de Brasília, um semestre antes da adoção de cotas para negros, a Faculdade de Educação era quase exclusivamente branca. Os poucos negros que ali se encontravam eram estrangeiros. Isso em uma área que no Brasil é marginalizada. Fico me questionando como seria em outros cursos, como Medicina, Engenharia ou Direito.

Além do mais, passei em diversos concursos públicos e em todas as ocasiões que tomei posse e fiz curso de formação com os demais colegas aprovados não contabilizei nos dedos de uma mão a quantidade de negros que ingressaram comigo.

Hoje, em meu atual emprego, continuo contando nos dedos das mãos a quantidade de colegas negros. Nem vou mencionar quantos deles ocupam papel de liderança. Se estivermos falando de mulheres negras então, a coisa piora um pouco.  

É importante ter em mente que não existe igualdade quando parte significativa da população não possui o mínimo necessário para sobreviver com dignidade.  A Constituição Federal, em seu artigo 3°,   determina como objetivo fundamental do Estado estimular a redução das desigualdades sociais, além de promover o bem de TODOS, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Portanto, pode-se concluir que reduzir as injustiças sociais é um imperativo constitucional.  

Para isso, obviamente precisamos de mudanças estruturais, especialmente na EDUCAÇÃO, o que não reduz a necessidade de implementação de políticas públicas que visem reduzir já a curto prazo a marginalização praticada pela sociedade contra determinados grupos.  Dessa forma, cabe ao Estado enquanto fomentador da redução da desigualdade  elaborar ações afirmativas para incluir minorias.  

Mas  o que são políticas afirmativas? De acordo com o site do Ministério da Educação - MEC, políticas afirmativas são “o conjunto de medidas especiais voltadas a grupos discriminados e vitimados pela exclusão social ocorridos no passado ou no presente, com o objetivo de eliminar as desigualdades e segregações, de forma que não se mantenham grupos elitizados e grupos marginalizados na sociedade”.

Um trecho da conceituação oferecida pelo MEC me chama a atenção em especial:  de forma que não se mantenham grupos elitizados e grupos marginalizados”. Acredito que boa parte das pessoas que são desfavoráveis a ações afirmativas ou a programas como o Bolsa Família, por exemplo, sentem-se ameaçadas com possíveis transformações na sociedade. Usam todo tipo de argumento, tal qual a falta de mérito do cotista, por exemplo, em uma tentativa desesperada de manter o status quo e garantir que o preto e o pobre vão permanecer em seu devido lugar na sociedade: às margens. 

É o que parece acontecer com o desabafo de uma estudante branca que não conseguiu uma vaga na universidade pública, ao relatar no facebook: “to aqui pra desabafar. Para o curso de Letras na UFMG são 260 vagas. Fiquei na posição 239 e não vou entrar, porque? Por causa dessa %$#@&  DE COTA. Vai todo mundo ¨%$*@. DESGRAÇA” .

A indignação e o ódio demonstrado pela estudante infelizmente não são incomuns quando se trata do assunto. E obviamente o motivo é identificável a quilômetros: se um negro ocupa uma vaga na universidade ou no serviço público, algum branco vai ficar de fora. E praticamente todas as vagas sempre pertenceram aos grupos elitizados. É mais confortável que as coisas permaneçam como sempre estiveram para aqueles que gozam de privilégios.

A questão da meritocracia é o argumento mais utilizado quando se trata de desqualificar o aluno cotista e mais recentemente o servidor cotista. A essa altura do debate, a igualdade e a isonomia são alardeadas e ninguém se lembra de que igualdade é tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de forma desigual. Ou seria possível dizer que um aluno que desde a Educação Infantil é hostilizado na escola e é empurrado para fora do sistema de ensino tem as mesmas condições de competição? Aos que acreditam que a escola é a mesma para brancos ou negros, recomendo o livro de Eliane Cavalleiro, em que a autora revela horrores sofridos por crianças negras na pré-escola.

Ainda sobre igualdade de competição, não é preciso muito para se constatar que enquanto a elite frequenta colégios que a prepara para o vestibular desde a Educação Básica (esquecendo-se muitas vezes de outras dimensões da educação, a exemplo da cidadania) os alunos mais pobres enfrentam problemas que passam desde a precariedade da alimentação, do material didático, à falta de professores, superlotação das sala de aula, violência dentro e fora da escola e mais uma lista de exemplos que tomariam mais alguns parágrafos deste texto.

             Nesse cenário, brancos e negros pobres estão em condições muito aquém de uma competição ombro a ombro com quem tem comida gostosa todo dia, casa boa para morar, espaço para estudar, professores capacitados, livros à mão e perspectivas de sucesso profissional e intelectual quase inexistentes na vida daqueles que estão marginalizados. É quase proibido sonhar quando você cresce em um meio que todos os caminhos apontam para marginalização ou no máximo subempregos. A ordem é sobreviver. Isso de ocupar uma vaga numa universidade pública, passar em um concurso público é praticamente uma utopia. Se você for negro e pobre então, as coisas ficam um pouquinho mais complicadas. Os brancos, por algum motivo misterioso, ainda têm mais oportunidades de ascensão social no Brasil. Não deve ter nenhuma relação com o racismo. Pelo menos, para quem acredita que o racismo não existe em nosso país.

Análise da PEC 84/2015


O caso concreto apresentado se refere à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 84/2015, cuja ementa acrescenta o § 6° ao art. 167 da Constituição Federal, para proibir a criação, por lei, de encargo financeiro aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, decorrente da prestação de serviços públicos, sem a previsão da correspondente transferência de recursos financeiros.

No que diz respeito ao mérito, a referido PEC visa, por exemplo, eliminar a possibilidade de criação de pisos salariais nacionais, que aumentem as despesas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios com pessoal e seus encargos, sem o correspondente repasse de recursos financeiros. Nesse sentido, é importante mencionar que em passado recente foi criado piso salarial nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, por meio da Lei n° 11.738, de 16/07/2008.  Se por um lado a medida contribui para a valorização do magistério e consequente aprimoramento da Educação do País, pelo outro, gera dificuldades de administração das finanças públicas para alguns estados e principalmente para muitos municípios.  Apesar disso, a Confederação Nacional dos Municípios afirma que o apoio financeiro da União não é para todos e que apenas 0,5% dos municípios brasileiros tem condição de pleitear recursos de suplementação da União e que, com isso, os gestores municipais continuarão enfrentando dificuldades para cumprir a Lei do Piso sem afetar o equilíbrio das contas públicas. 

Diante desse contexto, surge a PEC 84/2015, para evitar que situações semelhantes venham infligir a outros entes gastos expressivos que comprometam sua saúde financeira, além de impedir que ações ou despesas sejam criadas sem a determinação da adequada fonte de recursos, conforme parecer de Plenário, em substituição à CCJC – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, cujo relator foi o Senador Delcídio do Amaral.

Destaca-se ainda que o assunto da PEC 84/2015 foi a principal demanda apresentada em reuniões com governadores e prefeitos durante o primeiro semestre de 2015 no debate sobre o Pacto Federativo, de acordo com Renan Calheiros. Dessa forma, a PEC de origem do Senado Federal, tramitou em regime especial, por força do Requerimento 876/2015, a fim de responder de forma urgente as demandas dos demais entes da Federação.

Sobre a tramitação, ressalta-se que a proposição foi protocolada em 30/06/2015 e encaminhada para publicação e para CCJC no dia posterior. Em 05/08/2015, foi para Subsecretaria de Coordenação Legislativa do Senado (SSCSF), em decorrência da aprovação de calendário especial para a matéria. E após passar por diversos setores dentro da Casa Legislativa, foi incluída em Ordem do Dia na mesma data. No entanto, após alguns adiamentos, em 26/08/2015, a PEC foi anunciada no Plenário e o Senador Delcidio profere seu parecer, apresentando substitutivo. É apresentado o Requerimento 980/2015 solicitando preferência para votação de Emenda n° 1 de Plenário (Substitutivo), que é aprovado em primeiro turno por unanimidade dos presentes (total de 73 Senadores, incluindo o Presidente). Em virtude do calendário especial, passa-se a apreciação em segundo turno, com a devida discussão e votação mais uma vez por unanimidade (total de 69 votantes, incluindo o Presidente). A PEC é aprovada, portanto, no Senado Federal e publicada no DSF em 27/08/2015. Após ser encaminhada para as diversas Secretarias para as providências cabíveis, a proposição é encaminhada para a Câmara dos Deputados em 01/09/2015.

Contas do Governo e Prazo para Apresentação de Contraditório e Ampla Defesa


 
 O recente debate sobre as contas de governo teve seu último desfecho na decisão do Presidente do Senado em conceder prazo adicional ao Poder Executivo em apresentar defesa antes do início da apreciação pela Comissão Mista de Orçamento. Neste sentido, pode-se questionar a decisão do Presidente do Senado e se suas justificativas encontram respaldo no ordenamento jurídico.

Conforme despacho do Presidente Renan Calheiros, de 20 de outubro de 2015, a Resolução n° 1, de 2006, não prevê abertura de prazo para estabelecimento do contraditório. No entanto, há entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que quando se cogita a rejeição das contas do Chefe do Poder Executivo há a necessidade de a Casa Legislativa realizar o prévio contraditório.

Dessa forma, inúmeros julgados foram relatados na decisão do Presidente, para respaldar sua decisão de conceder prazo adicional ao Executivo. Entre eles, o RE 261885, julgado em 5.12.2000, em que prefeito municipal teve suas contas rejeitadas pela Câmara de Vereadores e alegou ofensa ao princípio do direito de defesa. Em tal ocasião, o recurso foi conhecido e provido.

Ressalta-se que o contraditório foi concedido no caso atual, no âmbito do Tribunal de Contas da União - TCU. Apesar disso, a necessidade de oportunizá-lo no âmbito do Congresso Nacional também é evidente, uma vez que a natureza do julgamento das contas no primeiro caso era de origem técnica e, neste segundo momento, de origem política.

Em Nota Técnica n° 137/2015, a Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal afirma que há ausência de disciplina quanto a determinados prazos no Regimento Comum do Congresso. Destaca que historicamente as contas do Presidente da República têm sido aprovadas, mas o respaldo para ampliar o prazo para apresentação da defesa e contraditório vem de inúmeros exemplos da esfera municipal, em que não faltam exemplos de rejeição de contas. Além disso, observa que nesses casos a matéria foi enfrentada pelo STF, pois se trata de matéria constitucional.

Em suma, a Nota conclui que o STF vem entendendo que mesmo no caso de julgamento político-administrativo realizado pelo Parlamento, ampla defesa e contraditório devem ser asseguradas ao suposto prejudicado, sob pena de enfrentar futuras alegações de nulidade do julgamento.

Por último, o Despacho do Presidente do Congresso deixa evidente que a necessidade de conceder o prazo de defesa ao Executivo de trinta dias, prorrogável por mais quinze dias, tem o objetivo de garantir o devido processo legal e o direito ao exercício do contraditório, em respeito à Constituição Federal, art. 5°, incisos LIV e LV.

PEC PARALELA


Com alguma frequência observamos, na tramitação das PECs, a ação do desmembramento, onde aprova-se parte do texto e transforma-se a parte restante em outra PEC. A partir disso, questiona-se qual é a interpretação ou o respaldo jurídico, normativo e/ou regimental para a realização deste procedimento?

Antes de analisar mais profundamente o tema, é preciso destacar o rito previsto na Constituição para aprovação de Emenda à Constituição, a seguir:

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. ”

De acordo com a redação em epígrafe, em especial o §2° do art. 60, para ser aprovada alteração na Constituição é preciso que o mesmo texto seja discutido e votado em dois turnos deliberativos em cada uma das Casas Legislativas. Caso a proposta seja rejeitada em alguma dessas votações, tanto na Câmara do Deputados como no Senado Federal, deve voltar para a outra Casa e enquanto não for aprovada em termos idênticos nos moldes previstos, não pode ser promulgada.

Diante disso, o Congresso tem adotado o que ficou conhecido como “PEC paralela”, para acelerar o processo legislativo. Na prática, significa que quando há discordância quanto a algum ponto da proposta, essa parte é desmembrada da proposição inicial e torna-se uma nova PEC. Enquanto isso, o texto cujo conteúdo é aprovado dentro do rito constitucional e regimental, segue adiante no processo legislativo. Nesse sentido, Pedro Lenza (2014, p. 657) afirma:    

 

“No tocante ao processo legislativo, interessante notar que o texto aprovado por uma Casa não pode ser modificado pela outra sem que a matéria volte para a apreciação da Casa iniciadora. O Congresso Nacional tem utilizado a técnica da PEC Paralela, ou seja, a parte da PEC que não foi modificada é promulgada e a parte modificada volta para reanálise, e como se fosse uma nova EC, para a Casa iniciadora. A não observância desse requisito formal caracterizará o vício de inconstitucionalidade. ”

 

                Vale lembrar que apesar da prática ter se tornado constante, não há previsão expressa de tal possibilidade no Regimento Interno do Senado Federal ou ainda na Constituição. No entanto, diversos são os exemplos de PECs Paralelas. Citaremos aqui a PEC Paralela da Previdência, que resultou na EC 47/2005, a PEC Paralela da Reforma do Judiciário e a Emenda Constitucional 58, oriunda de duas PECs.

            Sobre o primeiro caso, pode-se dizer que a PEC foi considerada Paralela em relação à Reforma da Previdência (EC41) e foi uma exigência do Senado para amenizar os efeitos maléficos do texto da primeira Emenda para os servidores públicos. Dessa forma, a nova proposição criou regras de transição e modificações importantes relacionadas à integralidade, à paridade, à transição, ao subteto, à contribuição de inativo, à aposentadoria especial, à contribuição da empresa para o INSS, e à inclusão previdenciária. Acrescenta-se que tramitou no Senado com a denominação de PEC 77/2003 e na Câmara dos Deputados como PEC 227/2004, resultando na EC 47/2005.

            Em relação ao segundo caso, a PEC 358/2005, de origem da Câmara dos Deputados, veio promover uma segunda etapa da reforma do Judiciário - a chamada PEC paralela da Reforma do Judiciário. Tratou especificamente de alguns temas não contemplados anteriormente na proposição inicial, tais como proibição da prática de nepotismo, efeito vinculante de decisões do STF e promoção, recondução de juízes e procuradores.

         Por último, trazemos da Emenda Constitucional 58, que é proveniente de duas PECs: a proposição original foi a  PEC 20/2008 e objetivava ampliar o número máximo de vereadores e estabelecer novos limites para despesas de câmaras municipais. No entanto, a parte relativa aos gastos das câmaras não foi consenso e por isso foi separada para outra proposição.

VOTO DE LIDERANÇA


 
Compartilhando alguns textos produzidos na pós-graduação de Direito Legislativo para registro.
 

Voto de liderança é aquele em que o voto do líder de partido substitui o voto de seus liderados. Ocorre nos casos de votação simbólica e consequentemente não se aplica nos casos em que o quórum deve ser qualificado, a exemplo de Lei Complementar ou de Proposta de Emenda à Constituição.

 O voto de liderança gera algumas consequências práticas que soam como inconstitucionais para alguns críticos do tema.  Por exemplo, ainda que não se encontre em plenário, o voto do parlamentar é computado na totalidade dos membros do partido. Outro ponto importante é a contagem no painel de votos divergentes do número de presentes, o que pode justificar a continuidade de sessões com quórum insuficiente para serem instaladas.

No caso do Senado Federal, ainda que um senador discorde do posicionamento de seu líder, seu voto não será computado de forma individual e sim de acordo com o indicado pelo líder. Nestas ocasiões caberá apenas uma declaração escrita de voto para a Mesa Diretora. É o que pode ser visto no texto do Regimento Interno:

“Art. 293. No processo simbólico observar-se-ão as seguintes normas:

...

II - o voto dos líderes representará o de seus liderados presentes, permitida a declaração de voto em documento escrito a ser encaminhado à Mesa para publicação; (...)”

O Regimento do Congresso Nacional também faz menção ao voto de liderança, de modo semelhante ao Regimento do Senado: 

Art. 45. Na votação pelo processo simbólico, os Congressistas que aprovarem a matéria deverão permanecer sentados, levantando-se os que votarem pela rejeição. O pronunciamento dos Líderes representará o voto de seus liderados presentes, permitida a declaração de voto.

                            Na Câmara dos Deputados, a previsão de voto de liderança ocorre de forma um pouco distinta. Lá, os votos dos líderes são computados nos casos de apoiamento para pedido de votação nominal ou verificação de votação, como se pode observar no trecho abaixo do respectivo Regimento Interno:

Art. 185. Pelo processo simbólico, que será utilizado na votação das proposições em geral, o Presidente, ao anunciar a votação de qualquer matéria, convidará os Deputados a favor a permanecerem sentados e proclamará o resultado manifesto dos votos.

§ 1º Havendo votação divergente, o Presidente consultará o Plenário se há dúvida quanto ao resultado proclamado, assegurando a oportunidade de formular-se pedido de verificação de votação.

§ 2º Nenhuma questão de ordem, reclamação ou qualquer outra intervenção será aceita pela Mesa antes de ouvido o Plenário sobre eventual pedido de verificação.

§ 3º Se seis centésimos dos membros da Casa ou Líderes que representem esse número apoiarem o pedido, proceder-se-á então à votação através do sistema nominal.

§ 4º Havendo-se procedido a uma verificação de votação, antes do decurso de uma hora da proclamação do resultado, só será permitida nova verificação por deliberação do Plenário, a requerimento de um décimo dos Deputados, ou de Líderes que representem esse número.  

                             Uma outra consequência prática que se percebe ao analisar o voto de liderança é destacada por autoridades como o Ministro do STF Marco Aurélio, o qual acredita que este tipo de voto dá superpoderes ao líder, em detrimento dos demais deputados e que isso subverte o processo democrático.  

                            Há quem acredite, no entanto, que o voto de liderança representa um instrumento para superar o absenteísmo nas sessões plenárias do Legislativo. Para essa corrente, o trabalho legislativo sem tal ferramenta seria impraticável. Contudo, a tese parece não se consolidar ao se buscar casos semelhantes em outros países. Apenas em Luxemburgo havia até pouco a previsão de voto de líderes.
                            É preciso destacar que o voto parlamentar é uma competência constitucional. O voto de liderança, ao retirar do parlamentar o poder sobre seu próprio voto se traduz em uma ofensa ao sistema representativo, pois deixa o liderado impotente para exercer determinadas competências de seu mandato. Trata-se de uma clara afronta ao princípio de liberdade parlamentar.

                            Além disso, entende-se que o voto de liderança ao relativizar a necessidade da presença dos parlamentares em plenário ofende diretamente a Constituição, que determina em seu art. 47 que as deliberações serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria absoluta dos membros de cada caso, salvo disposição constitucional. Pontes de Miranda acrescenta que somente a Constituição pode estabelecer a exceção ao princípio da exigência e suficiência da maioria. 

                             Sobre a possível análise do tema por parte do Poder Judiciário, sustenta-se que não se trata de caso “interna corporis” apenas, pois o assunto transcende os limites do Congresso Nacional para um nível constitucional, relativo ao direito ao exercício do mandato parlamentar. Neste sentido, vale mencionar o entendimento do ministro Sepúlveda Pertence que ao enfrentar a demanda entendeu ser o voto de liderança um instrumento autoritário que esvazia o mandato do parlamentar liderado, além de ratificar a posição de que se trata de afronta ao princípio da liberdade parlamentar.

                            Por último, referimo-nos ao Regimento da Câmara dos Deputados, o qual atualmente determina que o voto do deputado, mesmo quando diferente do encaminhamento do líder, será computado para todos os efeitos. Nota-se, portanto, que naquela Casa Legislativa a liberdade parlamentar é observada, à exceção dos casos de apoiamento e verificação de votação, conforme texto do Regimento supramencionado.
                            Diante do exposto, defende-se que, embora ainda previsto nos regimentos internos, o voto de liderança é inconstitucional por afrontar a liberdade parlamentar, além de maquiar a questão do quórum para instalação de deliberações plenárias.