O presente trabalho versa sobre a
Proposta de Emenda à Constituição número 11, de 2011, que tem por objetivo
alterar o procedimento de tramitação das Medidas Provisórias no âmbito do
Congresso Nacional, bem como sobre o Projeto de Resolução do Congresso Nacional
número 6, de 2015, o qual pretende alterar a Resolução do Congresso Nacional
número 1, de 2002, que dispõe sobre a apreciação feita pelo Parlamento de
Medidas Provisórias a que se refere o artigo 62 da Constituição Federal.
Em
primeiro lugar, é válido ressaltar a natureza jurídica das Medidas Provisórias,
as quais se traduzem como atos normativos primários emanados do Poder
Executivo, de caráter especial e que já nascem com força, eficácia e valor de
lei.
O
atual regramento constitucional entende a Medida
Provisória da seguinte forma:
“Art. 62. Em caso de
relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas
provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso
Nacional. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 1º
É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
I –
relativa a: (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
a)
nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito
eleitoral; (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
b)
direito penal, processual penal e processual civil; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
c)
organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a
garantia de seus membros; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32,
de 2001)
d)
planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e
suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
II –
que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro
ativo financeiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
III –
reservada a lei complementar; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32,
de 2001)
IV –
já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente
de sanção ou veto do Presidente da República. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
§ 2º
Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os
previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no
exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia
daquele em que foi editada.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32,
de 2001)
§ 3º
As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia,
desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias,
prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso
Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas
decorrentes. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 4º
O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória,
suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.(Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
§ 5º
A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das
medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus
pressupostos constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32,
de 2001)
§ 6º
Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados
de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma
das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a
votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver
tramitando. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 7º
Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória
que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua
votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
§ 8º
As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
§ 9º
Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas
provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão
separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
§ 10.
É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que
tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
§ 11.
Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após
a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas
constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência
conservar-se-ão por ela regidas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32,
de 2001)
§ 12.
Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida
provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou
vetado o projeto. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)”
A
partir de análise do texto atual, percebe-se que o referido ato normativo, o
qual é inspirado no “decreto legge” italiano, tem passado por evoluções ao
longo de sua história, com cinco períodos marcantes: o primeiro durou da CF/88
até a edição da EC 32/2001; o segundo, da EC 32/2001 até 2009; o terceiro, a
partir da Doutrina Temer até 2012; o quarto, a partir da ADI 4029 até 2015; e
finalmente, o quinto período a partir da
ADI 5127, que representou o fim dos Jabutis.
Vale
mencionar que no primeiro período de existência das Medidas Provisórias não
existia limitação material e o ato normativo valia por trinta dias. No entanto,
era prática realizar esvaziamento de quorum para estimular a reedição
indefinida das MPs.
O
novo rito introduzido pela EC 32/2001 inovou trazendo limitações materiais à
Medida Provisória; alteração dos prazos de vigência para sessenta dias,
prorrogáveis por mais sessenta dias e com suspensão no período de recesso
parlamentar. Também proibiu a reedição e estabeleceu o trancamento de pauta ao
se completar quarenta e cinco dias da edição, além de prever que o ato deveria
ser votado separadamente em cada uma das Casas Legislativas, a começar pela
Câmara Federal e antes disso ter seus pressupostos constitucionais avaliados
por comissão mista formada especialmente para a apreciação da MP editada.
A
referida Emenda Constitucional trouxe mudanças positivas e negativas para a
tramitação das Medidas Provisórias. Se
por um lado, ampliou a participação do Congresso, por outro também ampliou o
poder de agenda do Executivo sobre o Legislativo, ao estabelecer o trancamento
de pauta. Trouxe também outras consequências, como, por exemplo, o maior uso de
recursos protelatórios por parte da oposição ou a maior utilização das
comissões em caráter conclusivo para aprovação de projetos de lei , uma vez que
o trancamento provoca dificuldade para pautar as proposições no Plenário.
Apesar disso, autores, como, por exemplo, Lucas Cunha, acreditam que o
Congresso se beneficia dessa delegação estratégica proporcionada pelas Medidas
Provisórias.
Ainda
sobre a EC 32/2001, pode-se afirmar que o rito por ela estabelecido favoreceu a
participação da Câmara dos Deputados e desfavoreceu o Senado Federal, uma vez
que, entre outras coisas, quando atinge o prazo de quarenta e cinco dias, já
entra trancando a pauta desta última Casa.
Foi buscando um maior equilíbrio entre ambas as Casas Legislativas no
trâmite da Medida Provisória que surgiu a PEC 11/2011, como se verá mais
adiante.
Um
outro ponto polêmico da EC 32/2001 foi a regra que estabeleceu validade
indeterminada das Medidas Provisórias que estavam em vigor àquela época, a
menos que fossem revogadas por outra MP ou fossem objeto de deliberação do
Congresso Nacional.
É
importante destacar também a edição da Resolução 1/2002, a qual regulamentou a
tramitação das Medidas Provisórias no Congresso. Em linhas gerais, a Resolução
diz que após a publicação do ato há doze horas para indicação dos membros e
designação da Comissão Mista prevista na Constituição em 48 horas. Depois
disso, mais 24 horas para eleição de Presidente e Vice. O referido órgão
temporário deve ser composto por doze deputados e doze senadores, com o mesmo
número de suplentes. O prazo para apresentação de emendas é bastante exíguo
(até seis dias após a publicação). A tramitação pode resultar em quatro
possíveis situações: aprovação total, aprovação com alteração, não apreciação
(rejeição tácita) ou rejeição expressa.
A
fase correspondente à Doutrina Temer representou a retomada do poder de
legislar do Congresso, conferindo-lhe maior poder de agenda, uma vez que as
atividades do Legislativo encontravam-se paralisadas devido ao trancamento de
pauta provocado pelo número de Medidas Provisórias. A partir da Questão de
Ordem 411/2009, portanto, o trancamento
passou a incidir apenas sobre as sessões ordinárias, para projetos de lei
ordinária que sejam passíveis de Medida Provisória. Este entendimento
representou uma mutação constitucional, que foi validada pelo Supremo Tribunal
Federal.
Um
outro momento marcante na história das Medidas Provisórias se deu a partir da
ADI 4029. Se antes o parecer poderia ser proferido pelo relator no Plenário, a
partir de então, o parecer da comissão mista passa a ter caráter
obrigatório. Como consequência, se
alcançou maior equilíbrio na relação Câmara e Senado, uma vez que os senadores
passaram a participar mais das comissões mistas, que antes se quer eram
instaladas. Além disso, se proporcionou maior discussão das Medidas Provisórias
no âmbito do Congresso Nacional e também se conferiu maior poder às comissões
mistas. Por outro lado, a nova fase trouxe também algumas dificuldades, tal
como falta de quorum por haver diversas comissões simultâneas, obstruções
cruzadas, baixo grau institucional das comissões, além de uso político do
tempo.
Por
último, a ADI 5127 trouxe a novidade que ficou conhecida como fim dos jabutis,
os quais representavam contrabando legislativo.
Ou seja, emendas sem pertinência temática com a Medida Provisória passaram a ser consideradas
inconstitucionais, com a justificativa de que se tratam de procedimento
antidemocrático. A consequência principal
do novo entendimento se traduziu na diminuição do poder de barganha do
Legislativo, especialmente dos relatores das Medidas Provisórias. Outra
discussão trazida pela ADI em comento foi a de que nestes casos as emendas
parlamentares também devem cumprir os requisitos de relevância e urgência às
quais se sujeitam as Medidas Provisórias.
A
PEC 11/2011
Conforme informações dispostas no
sítio do Senado Federal, a proposição em comento pretende alterar o art. 62 da
Constituição Federal, que trata do procedimento de apreciação das Medidas
Provisórias pelo Congresso Nacional, para determinar que: a) as medidas
provisórias tenham prazo de vigência improrrogável de 120 dias; b) a Câmara dos
Deputados e o Senado Federal tenham cinquenta e cinco dias cada para apreciação
da matéria; c) a Câmara dos Deputados encaminhe ao Senado Federal , no estado
em que se encontrar, a medida provisória que não houver sido apreciada no prazo
de cinquenta e cinco dias que lhe foi inicialmente concedido ; d) a medida
provisória retorne à Câmara dos Deputados se houver emendas do Senado Federal;
e) a Câmara dos Deputados se pronuncie logo após o Senado Federal , se não
houver se manifestado nos primeiros cinquenta e cinco dias que lhe cabiam,
sendo vedada neste caso a inclusão de emendas.
No que diz respeito à
constitucionalidade da PEC 11/2011, quanto à iniciativa, de acordo com a
Constituição Federal de 1988, possuem poder para iniciar PEC ( Proposta de Emenda à Constituição) os
seguintes personagens: um terço dos membros do Senado Federal ou dos membros da
Câmara dos Deputados, o Presidente da República ou metade das Assembleias
Legislativas das unidades federativas, manifestando-se, cada uma delas, pela
maioria relativa de seus membros. A PEC
em questão foi iniciada por um terço dos senadores e, portanto, atende a este
requisito.
A PEC também respeita às limitações
circunstanciais, uma vez que não foi proposta em período de vigência de
intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio.
Quanto às limitações materiais,
conhecidas como cláusulas pétreas, a Constituição prevê expressamente que não
será passível de deliberação proposta de emenda tendente a abolir a forma
federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a
separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Implicitamente há
a proibição de dupla revisão e de impossibilidade de alterar o titular do poder
originário e do poder derivado. A conclusão possível a partir disso é a de que
a PEC 11/2011 não fere nenhum desses princípios, uma vez que busca apenas
aperfeiçoar o procedimento de apreciação das medidas provisórias no Congresso
Nacional. Portanto, entende-se que a proposição é constitucional.
A PEC 11/2011 tem por objetivo aperfeiçoar a
tramitação das Medidas Provisórias. No entanto, entendemos que a proposição
cumpriria tal objetivo apenas parcialmente.
Em
primeiro lugar, o prazo de vigência único de cento e vinte dias eliminaria a
necessidade de prorrogação de sessenta dias por mais sessenta dias, que hoje é
recorrente na apreciação deste tipo de ato normativo. Por traduzir em norma
algo que já é prática, acredita-se que neste ponto teríamos um avanço.
A nova redação do artigo 62 da
Constituição proposta pela PEC estabelece que a Câmara dos Deputados terá prazo
de cinquenta e cinco dias para concluir sua apreciação e que após este prazo
deve remeter a Medida Provisória para o Senado no estágio em que se encontrar,
para que o Senado a aprecie em igual período. No caso de emendas do Senado, o
ato deve retornar à Câmara. O mesmo deve acontecer caso a Câmara não tenha se
pronunciado no prazo inicial de cinquenta e cinco dias, sempre observando o
prazo de vigência da Medida Provisória.
Os novos prazos buscam corrigir a
desvantagem do Senado Federal, ao menos em parte. No atual procedimento, é comum a ocorrência de restrição da atuação
desta Casa, uma vez que o prazo de vigência do ato normativo é consumido em sua
maior parte em deliberação na Câmara dos Deputados e nas comissões mistas. Por outro lado, é preciso lembrar também que
mesmo quando a Medida Provisória chega em regime de urgência e sobresta a pauta
de outras deliberações, o Senado hoje tem participação garantida no procedimento,
uma vez que a instalação da Comissão Mista passou a ser obrigatória nos últimos
anos e a consequente participação de senadores em seus trabalhos.
A proposta também elimina a
necessidade de análise por comissão mista do Congresso. Em sua justificativa,
defendeu-se que se trata de uma etapa pouco funcional, considerando que a
instalação até então havia ocorrido em raros casos. Ocorre que a PEC em análise data do ano de 2011 e após
esse período a ADI 4029 determinou a obrigatoriedade da instalação da comissão
mista. Portanto, a proposição colidiria com o atual entendimento, embora isso
não necessariamente represente inconstitucionalidade visto que a PEC alcança o
poder constituinte derivado reformador.
Ante o exposto, a conclusão é de que
o rito proposto apresenta pontos positivos e negativos. Como vantagens, o prazo
único de vigência pode ser apontado. A obrigatoriedade de envio da proposição
para o Senado ao se completar o prazo de cinquenta e cinco dias também, uma vez
que isso além de proporcionar maior tempo para deliberação desta Casa também
contribuiria para um menor volume de trancamentos de pauta. Dessa forma, a mora da tramitação da Câmara
dos Deputados não comprometeria os trabalhos da outra Casa Legislativa.
Por outro lado, eliminar a etapa da
comissão mista pode ser desvantajoso, pois este órgão tem por função o
amadurecimento da discussão da Medida Provisória e o procedimento tal como é
feito hoje permite que senadores possam participar do processo de emendamento
ainda na fase inicial do processo. Caso fosse aprovada, A PEC 11/2011 exigiria
que a Medida Provisória retornasse à Câmara dos Deputados, o que poderia
comprometer ainda mais o prazo de tramitação.
Finalmente, destacamos o Projeto de
Resolução 6/ 2015 – CN, o qual pretende alterar a Resolução 1/2002 – CN, que
trata da tramitação de Medidas Provisórias no âmbito do Congresso Nacional,
para apresentação de emendas e sua apreciação. O texto proposto determina que
os Presidentes da Câmara e do Senado poderão suprimir emendas apresentadas
pelos parlamentares que não guardem pertinência temática com a Medida
Provisória ou ainda quando apesar de preencherem este requisito, não apresentem
os pressupostos de relevância e urgência.
Diante do exposto, percebe-se que a proposição se relaciona com o
recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal, ADI 5127, no sentido de
coibir o que ficou conhecido como “jabutis”. Ou seja, o oportunismo de inclusão
de matérias estranhas às Medidas Provisórias. Com isso, conclui-se que a
proposição também acrescenta aspectos positivos ao rito de apreciação do
referido ato normativo, conferindo maior segurança jurídica, uma vez que a
positivação reduzirá a dependência de
interpretação de temas importantes por meio questões de ordem.